sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Duff e Brinda


Bem mais próximo do que

Sonhamos ser possível,

Ainda mais intensos e dourados do que

Klimt,

Dispersos, rebeldes e imaturos,

Desbravando o mundo, debruçados na janela,

Arrancando com a mão direita

Os prazeres da mão esquerda,

Sempre renovando nossa capacidade

Infinita de transformação,

Recriação e

Destruição,

Estaremos existindo dia após dia.


Somos bem mais que um casal,

Somos àquilo que pulsa vida

Distante da materialidade do mundo.

Somos o universo que sustenta estrelas,

Que alarga seus buracos negros a cada novo trago de cigarro.

Somos vidas habitadas por minúsculos seres

Que despercebidos carregamos por onde passamos...


Pedaços nossos já multiplicaram,

Estamos indo muito bem

Meu bem!

Basta-nos descobrir o que fazer

Quando já velhos,

Com toda a experiência

De nossa excêntrica existência,

Começarmos a dissipar-nos

Em partículas ínfimas de vida,

Agora sem qualquer poder de decisão

Sobre ir ou ficar.


(Jorge Elô)

Você também vai envelhecer

Não é preciso desespero,

Você também vai envelhecer,

Não há como cessar esse processo.


Marcas da vida estarão presentes

Em suas mãos, em seu sorriso e

Em seu choro.


Mas o brilho que

Os traços fincados em sua testa possuirão,

Você nunca imaginou emanar

Com seus vinte e cinco anos.


A leveza de suas decisões

Amenizará o tormento

Que agora aparenta ser a vida.


Você será bela,

Será uma presença agradável a todos,

E melhor,

Não irá se preocupar em estar ou não

Atraente.


Nada de calças que realce suas formas,

Nem de lápis que a torne sexy.

Nada de transar todos os dias.


Estará sempre com uma consulta marcada,

Sempre com horário definido

Para os medicamentos.


E assim a vida será bela.


Os resultados de tudo que fez

Ali, pulsando em sua frente,

Às vezes machucando,

Mas em sua maioria proporcionando prazer.

Prazer em saber que você foi privilegiada

Em poder ter existido,

E que apesar de todos os desesperos,

Você resistiu, você envelheceu!

Neste momento seu sorriso

Delineará todas as marcas do ser rosto,

E sua boca, já sem dentes,

Será uma boca sábia, confiante em si.

Uma boca capaz de chupar-me, já velho, como

Nunca ousou fazer

No auge dos seus vinte e cinco anos.


(Jorge Elô)

Tão linda com cabelos despenteados

A única janela

Torna-se suficiente para

Que a luz do sol entre.

Invade sem calma, reflete-se

Em milhões de filetes invisíveis,

Rasgando meus olhos que acabaram de acordar.

Resistente, olho ao redor.

Livros de pintura jogados,

Roupas sujas amontoadas,

Garrafão d’água vazio,

Poeira e restos,

Ausências...


No pequeno cômodo em que

Encontro-me,

Mesmo abarrotado

Sem o mínimo espaço,

Sinto estar vazio.

Sinto que falta

A cor gelo

Que de tão branca tem

Visível suas veias.

Faltam os ecos das risadas

Escandalosamente soltas.

Falta o cheiro e a força

Daquela vida

Tão linda com cabelos despenteados.


Levanto-me e preparo o café.

Estico a coluna fraturada,

Volto-me a sentar no colchão,

Acendo um cigarro.


Penso na vida que vive

Lá fora, ávida por envelhecer.

Penso que talvez ninguém

Queria saber o que estamos fazendo

Aqui,

Neste mundo ingrato por tantos mistérios.

Sinto-me estranho, inseguro.

Como não há espelhos,

Imagino como devo estar.

E nesta projeção de mim mesmo,

Estou fora de esquadro,

Como Quasímodo,

Como o senhor Friedman.


O mundo estranhamente

Está sorrindo sem mim.

Está vivendo, multiplicando

Suas neuroses sem mim.

Permaneço despreocupado

Em cima do colchão coberto de esperma e

Ácaros.


Dou uma risada de canto de boca,

Cínica, como quem está para

Reviver.

O tempo de estranhamento

Está para acabar,

Pois alguém tão estranho

Quanto eu

Abre a porta.

Sorri por detrás do seu Ray Ban

E me permite invadir seu corpo

Quente e iluminado.

Ficaremos deitados e sorrindo

O pouco que resta de nossas vidas.

Deixem que matem e morram

Por dinheiro e poder.

Existir somente

Basta-nos!


(Jorge Elô)